Cuba, caminhos para o capitalismo



Cuba vai cair no capitalismo, como ocorreu com todos os regimes socialistas do século 20, à exceção de dois, o da própria ilha e o da Coréia do Norte. Ambos, aliás, têm um curioso ponto em comum, o comunismo hereditário. Fidel tenta transmitir o poder a seu irmão, Raúl. O presidente Kim Jong-il herdou o governo de seu pai.

A história recente mostra que há, no essencial, três tipos de transição do socialismo para o capitalismo global. O primeiro modelo é o chinês. Também o mais antigo. Dez anos antes da queda do Muro de Berlim, em novembro de 1979, Deng Xiaoping iniciava as reformas econômicas. No Vietnã, a “doi moi” - a renovação - começou em 1986, contemporânea da perestroika russa, mas à moda chinesa.

Nesse processo, o Partido Comunista e o governo comandam a introdução dos investimentos privados, basicamente feitos pelas companhias estrangeiras. É um passo obrigatório para países muito atrasados, sem capital local suficiente, sem tecnologia e infra-estrutura, e também, naturalmente, sem empreendedores privados nacionais. Estes acabam aparecendo no decorrer do processo, que continua, entretanto, com forte base no investimento direto estrangeiro.

Não há democracia política. Essa combinação de ditadura do partido com economia de mercado, que requer a liberdade de empreendimento, obviamente está funcionando na China e no Vietnã. Isso, claro, quando se consideram os indicadores econômicos. Há forte crescimento da produção, da renda e do emprego. Quase 600 milhões de chineses já deixaram a zona da pobreza desde o início das reformas. No Vietnã, o número de pessoas vivendo com menos de um dólar por dia caiu de 50% da população, em 1990, para menos de 10%, hoje.

Não se sabe, entretanto, até onde vai o modelo, na medida em que a população enriquece, torna-se classe média, com acesso cada vez maior à educação e progressivamente exposta ao mundo das democracias ocidentais. Pode ser que ocorra algo como o que se passou na Coréia do Sul, cuja arrancada para o desenvolvimento também se deu com uma ditadura política, embora não comunista. O país alcançou a democracia há pouco tempo, por pressão das classes médias formadas no processo econômico. Mas a China é muito maior, mais complexa, e a ditadura, muito mais forte. A ver.

O segundo modelo é o da Europa do Leste: Polônia, República Checa, entre outros. A virada é completa, com a introdução simultânea do capitalismo e da democracia política - aliás requisito para a entrada na União Européia. Não há caça às bruxas contra os quadros do velho regime, mas estes precisam se reagrupar, formar novos partidos e assim voltar à disputa política. Não raro, ganham eleições para governar no novo sistema. Vão bem esses países, sobretudo os que já conseguiram sua integração à União Européia.

O terceiro e pior modelo é o da falecida União Soviética. O pessoal do partido ficou com as maiores estatais privatizadas e as melhores oportunidades de negócios, tudo a preço de banana roubada. E também manteve o poder político no novo regime, chamado de democrático, com eleições nacionais, mas sem imprensa livre e sem liberdade partidária. O melhor exemplo disso é o presidente Vladimir Putin, ex-chefe da polícia secreta soviética. Como notaram observadores: os russos estragaram o socialismo e agora estão estragando o capitalismo. Acontece da mesma forma em algumas ex-repúblicas soviéticas.

E Cuba depois de Fidel? Trata-se de uma ditadura extrema e cruel. Sem liberdade de imprensa, é muito difícil obter informação sobre o que se passa por lá. Mas é possível garimpar impressões aqui e ali, de visitantes, por exemplo, ou de pessoas que têm parentes na ilha, chegando a um quadro aproximado da realidade. Essas impressões contam que Fidel Castro, nos últimos anos, parecia preocupado com as chances de continuação do socialismo depois de sua morte. Esse teria sido o motivo do lançamento da Batalha de Idéias, destinada a fazer a cabeça especialmente dos jovens. Esse também é seu objetivo atual com os artigos de doutrinação no Granma.

Já entre os líderes que estão substituindo Fidel, parece que a preocupação maior é como controlar uma inevitável transição para algum tipo de capitalismo. Conta-se que Raúl Castro sonha com o modelo chinês e teme especialmente a transição estilo Leste Europeu.

E a população cubana, qual seria seu estado de espírito? Aqueles mesmos jornalistas estrangeiros, visitantes, diplomatas ocidentais e parentes de residentes dizem que se pode perceber um sensação de enfado, um cansaço com o regime e a vida difícil, na qual todo santo dia é preciso preocupar-se em obter comida e bens essenciais.

É difícil avaliar se esse sentimento pode se transformar numa revolta, após a partida de Fidel. Amigos de Fidel e de Cuba dizem que não há a menor chance de isso acontecer. Afirmam que a população não apenas respeita, mas admira os líderes.

Também é difícil avaliar se isso é correto. É certo, de todo modo, que, mesmo após a aposentadoria de Fidel, os sucessores manterão a repressão, o controle dos passos e das idéias da população.

Parece uma ditadura forte, mas, quando se recorda como os regimes comunistas europeus, aparentemente sólidos, caíram como folhas de papel, essa hipótese para Cuba não pode ser descartada.

Mas a transição no Caribe depende de um fator específico: a comunidade dos cubano-americanos instalada ali ao lado, na Flórida, com dinheiro e disposição para investir numa Cuba pós-Fidel. A atitude política dessa comunidade pode estabilizar ou atrapalhar a transição - tema de uma próxima coluna.

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