A MALDIÇÃO DO PETRÓLEO


Thomas L. Friedman “O mundo é plano”

Nada contribuiu mais para retardar o surgimento de um ambiente democrático em lugares como a Venezuela, 3 Nigéria, a Arábia Saudita e o Irã do que a maldição do petróleo. Enquanto os monarcas e ditadores que dirigem esses estados petrolíferos puderem enriquecer expiorando seus recursos naturais - - em vez de explorar os talentos e a energia naturais de seu povo — serão capazes de eternizar-se no poder. Podem usar o dinheiro do petróleo para monopolizar todos os instru-mentos do poder: o exército, a polícia e os órgãos de informação, e jamais precisam introduzir a verdadeira transparência ou a partilha do poder. Tudo o que têm a fazer é tomar posse da torneira do petróleo e conservá-la para eles. Nunca precisam criar impostos para seus povos, e por isso o relacionamento entre governantes e governados fica altamen-le distorcido. Sem taxação não há representação. Os governantes na verdade não precisam dar atenção ao povo nem explicar de que forma estão gastando seu dinheiro, porque o dinheiro não veio dos impostos. Por isso os países que se concentram em seus poços de petróleo sempre têm instiuições débeis ou inexistentes. Os países que se concentram em seus povos precisam desenvolver verdadeiras instituições, direitos de proprie-dade, império da lei, tribunais independentes, educação moderna, comércio exterior, investimento estrangeiro, liberdade de pensamento e pesquisa científica, a fim de obter o máximo de seus homens e mulheres. Num ensaio no Foreign Affairs intitulado "Saving Iraq rrom Its Oil" (Salvando o Iraque de seu petróleo), de julho-agosto de 2004), os economistas especializados em desenvolvimento Nancy Birdsall e Arvind Subramanian mostram que "34 países menos desenvolvidos hoje em dia possuem recursos significativos de petróleo e gás, que constituem pelo menos 30% de sua receita total de exportação. Apesar de sua riqueza, no entanto, em 12 desses países a renda per capita anual permanece abaixo de 1.500 dólares, (...) Além disso, dois terços desses 34 países não são democráticos, e dentre os que o são, somente três estão classificados na metade superior da tabela de liberdades políticas compilada pela Freedom House".



Em outras palavras, a imaginação é também filha da necessidade: quando o contexto no qual se vive simplesmente não permite que a pessoa se dedique a fantasias escapistas ou radicais, elas não o fazem. Vejamos onde 3 inovação mais criativa está ocorrendo agora no mundo árabe-muçulmano: nos lugares onde há pouco ou nenhum petróleo. Como indiquei anteriormente, o Barein foi o primeiro país do Golfo Árabe a descobrir petróleo, e foi também o primeiro onde o petróleo se esgotou. Atualmente, é o primeiro estado árabe a fazer reformas traba-lhistas abrangentes a fim de desenvolver a capacidade de seus próprios operários, o primeiro a assinar um acordo de livre-comércio com os Estados Unidos e o primeiro a realizar uma eleição lívre e honesta, na qual as mulheres têm direito de candidatar-se e votar. E quantos países na mesma região se encontram paralisados ou na verdade revertendo as reformas? A Arábia Saudita e o Irã, inundados de dinheiro do petróleo. Em 9 de dezembro de 2004, numa época em que os preços do petróleo haviam subido a cerca de 50 dólares o barril, a revista The Econotnist publicou um relatório especial sobre o Irã, no qual observava: "Sem o petróleo aos preços elevados de hoje, a economia iraniana estaria cm maus lençóis. O petróleo fornece cerca de metade das receitas do governo e pelo menos 80% dos ingressos da exportação. Porém, novamente sob a influência de fanáticos no Parlamento, o dinheiro do petróleo está sendo usado para financiar subsídios perdulários em vez de desenvolvimento e novas tecnologias altamente necessárias."

Vale a pena notar que a Jordânia começou a levantar o nível de seu sistema educativo e a privatizar, modernizar e desregular sua economia a partir de 1989 — exatamente quando os preços do petróleo eram baixos e o país já não podia contar com doações dos estados do Golfo produtores de petróleo. Em 1999- quando a Jordânia assinou seu tratado de livre-comércio com os Estados Unidos, suas exportações para esse país totalizaram 13 milhões de dólares. Em 2004, a Jordânia exportou mais de l bilhão de dólares em mercadorias para os Estados Unidos -- produtos fabricados pelos jordanianos. O governo da Jordânia também instalou computadores e Internet de banda larga em todas as escolas. Ainda mais importante, em 2004 a Jordânia anunciou uma reforma exigindo bom aproveitamento escolar dos líderes de orações nas mesquitas. Tra-dicionalmente, os estudantes de ensino médio da Jordânia tinham de fazer um exame para entrar na universidade, e os mais bem-sucedidos se tomav,im médicos ou engenheiros. Os de piores notas iam ser líderes de orações nas mesquitas. Em 2004 a Jordânia resolveu instituir gradual-mente um novo sistema. Daqui em diante, para ser líder de orações, o jovem terá primeiro de obter um grau de bacharel em outra matéria, e somente estudar a lei islâmica em nível de graduação, a fim de que um número maior de jovens talentosos entre para o clero e para afastar os que seguiam a carreira religiosa por haverem fracassado nas outras. Essa é uma importante modificação de contexto que dará frutos ao longo do tempo nas narrativas que os jovens jordanianos ouvem em suas mesquitas. "Foi preciso que passássemos por uma crise para aceitar a necessidade de reforma", disse o ministro do Planejamento da Jordânia, Bassem Awadallah.

Não existe melhor mãe para as invenções do que a necessidade, e os líderes do Oriente Médio somente farão reformas quando os preços de-crescentes do petróleo os obrigarem a mudar seus contextos. As pessoas não mudam por ouvirem conselhos para fazê-lo. Mudam quando se convencem de que é preciso. Como diz o professor de assuntos interna-cionais da johns Hopkins, Michael Mandelbaum: "As pessoas não mu-dam quando dizemos a elas que existe uma opção melhor. Mudam quando concluem que não têm outra opção." Se me derem o barril de petróleo a 10 dólares, eu lhes darei reformas políticas e econômicas de Moscou a Riad e ao Irã. Se os Estados Unidos e seus aliados não colaborarem para baixar o preço do petróleo cru, suas aspirações de reformas em todas essas áreas nascerão mortas.

Há outro fator a considerar neste debate. Quando para prosperar é prenso fazer coisas com as próprias mãos e em seguida comerciar com os demais, em vez de furar um poço de petróleo no quintal, isso inevita-velmente amplia a imaginação e aumenta a tolerância e a confiança. Não por acaso os países muçulmanos representam 20% da população mundial, mas somente 4% do comércio do planeta. Quando os países fabricam coisas que ninguém mais deseja, comerciam menos, e menos comércio significa menos troca de idéias e menos abertura para o mundo. As cidades mais abertas e mais tolerantes do mundo muçulmano hoje em dia são os centros de comércio: Beirute, Istambul, Jacarta, Du-bai e Barein. As cidades mais abertas e tolerantes da China são Hong Kong e Xangai. As mais fechadas do mundo estão na Arábia Saudita central, onde os cristãos, hinduístas, judeus ou outros não-muçulmanos não podem expressar em público suas convicções religiosas nem construir um lugar de culto, e no caso de Meca nem sequer podem entrar. As religiões refinam e dão fundamento à imaginação. Quanto mais a imaginacao de qualquer religião - - hinduísta, crista, judaica, muçulmana ou budista -- se forma numa bolha isolada, ou numa caverna escura, mais probabilidade terá essa imaginação de partir em direções perigosas. As pessoas conectadas com o mundo e expostas a diferentes culturas e perspectivas têm muito mais probabilidade de desenvolver a imaginação do 9/11. Os que se sentem desconectados, para os quais a liberdade pessoal e a realização constituem fantasia utópica, têm mais probabilidade de desenvolver a imaginação do 11/9.

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