AS CONTROVÉRSIAS DE WASHINGTON

A Lanterna na Popa - Roberto Campos

O panorama intelectual de Washington, sob o ponto de vista econômico, era fascinante. A nação acabara de sair de uma inesperada recaída recessiva em 1937/38, para se aproximar gradualmente do pleno emprego, sob o impacto dos investimentos bélicos. Numa conferencia de imprensa, em dezembro de 1943, Roosevelt proclamou que o old dr. New Deal havia sido substituído pelo dr. Win-the-War.

Havia ainda grandes resquícios da grande controvérsia deflagrada pela ultima recessão. Era a controvérsia entre os gastadores, os fiscalistas e os estruturalistas. Assistia-se, bizarramente, a inversão de papéis. Era o contraponto entre o governador do Federal Reserve Board, Mariner Eccles, de um lado e, de outro, o secretario do tesouro, Henry Morgenthau. O primeiro destoando do habitual restricionismo dos Bancos Centrais, advogava expansão monetária por via de obras publicas, assistência social e déficits fiscais para combater a recessão. O grande fiscalista era o secretario do tesouro, Henry Morgenthau, que se aferrava a tese do equilíbrio orçamentário.

O terceiro grupo era dos estruturalistas, dividido por sua vez em dois subgrupos. Um, liderado por Rexford Tugwell, influente político e depois governador de Porto Rico, advogava planejamento econômico e controles. O outro, representado por Gardner C. Means e Adolph Berle, acentuava os problemas da concentração do poder econômico e preço administrados, advogando uma radical reforma estrutural que envolvesse, além do planejamento econômico, uma vigorosa ação anti-truste a fim de se alcançar a “economia da abundância”.



Ao contrario do que se pensa o problema do New Deal rooseveltiano não foi inicialmente influenciado pelo keynesianismo. Roosevelt tinha um conservadorismo inato, que o fazia recear desequilíbrios orçamentários. Keynes escrevera a teoria geral em 1936 e, até 1938, não havia substancialmente influenciado a política de Washington, conquanto sua moldura analítica parecia explicar adequadamente as lições dos dois primeiros mandatos de Roosevelt, pela seqüência seguinte: orçamentos desequilibrados e alguma recuperação econômica; política fiscal restritiva e recessão aguda; e, finalmente, retomada do dispêndio público (a partir de 1938) e uma ressurgência econômica.

Gradualmente, as três premissas básicas do keynesianismo – a possibilidade do equilíbrio no subemprego, a inoperância da lei de Say, e o gasto governamental para estimular a demanda agregada – contaminaram não apenas os meios intelectuais mais a política fiscal. Mas Roosevelt só pode ser considerado um keynesiano relutante que, no máximo admitiria o pump priming, ou seja, medidas de emergência para ativar a economia. Nessa categoria se incluíam as medidas emergenciais de criação de empregos, implantadas entre 1933 e 1936. Mas era basicamente contrario a adoção do financiamento deficitário como uma receita regular de ativação econômica. A diferença entre as duas posturas é que no pump priming bastaria um empuxo governamental para ativação do setor privado, enquanto que a tese do déficit financing convalida a ação permanente do governo para manter o pleno emprego.

O grande divulgador das idéias de Keynes, não só no plano intelectual, mas no plano da política pratica, foi Alvin Hansen que, de professor da Universidade de Minnesota passara à Universidade de Harvard em 1937. A contribuição teórica de Hansen tinha sido a tese de estagnação secular. A economia americana teria atravessado no ultimo quarto de século XIX dera lugar a uma nova era em que a taxa acelerada de crescimento da população, a expansão territorial, a descoberta de recursos novos e o impacto das mutações tecnológicas, que anteriormente haviam exercido ondas sucessivas de investimentos, haviam deixado de atuar. A economia se tinha tornado madura.

Subseqüentemente, Hansen absorveria as idéias de Keynes sobre o uso da política fiscal para a ativação da economia, e passou a defender a adoção de uma política compensatória fiscal permanente: elevação dos gastos em assistência social e obras publicas, assim como tributação progressiva da renda como instrumento de recuperação e reforma.

Um dos livros mais influentes quando cheguei a Washinton se intitulava An economic program for the American democracy, publicado em 1938 por vários economistas de Harverd e Tufts, refletindo os encinamentos dos seminários de Hansen sobre a política fiscal.

Os dois fatores que levaram a uma majestática predominância do keynesianismo no inicio da guerra foram, portanto, o impacto da recessão inesperada de 1937/38 e a interpretação de Hansen, que viu no intervencionismo fiscal keynesiano um remédio para a tendência estagnacionista das economias maduras.

A estagnação secular e a maturidade econômica, dizia Hansen reconsiderando suas teses pessimistas, não condenariam a economia americana a estagnação, desde que o funcionamento automático do investimento privado fosse complementado com políticas destinadas a assegurar o pleno uso dos recursos produtivos do Estado. Caberia ao governo então esforçar-se por atingir uma economia de auto consumo e pleno emprego.*

Quanto ao problema tecnológico, Hansen reconhecia que a II Guerra Mundial estava provando que as guerras eram um tremendo estimulo ao progresso tecnológico.

O folheto de Hansen, publicado em janeiro de 1942, intitulado ‘After the war-full employment’ representou o ápice da absorção do pensamento keynesiano pelos “liberais” americanos. Nesse relatório, Hansen recomenda planejamento, tributação, redistribuição e dispêndio publico compensatório, assim como cooperação entre o governo e a empresa privada, numa economia mista, para vitalizar e revigorar a iniciativa privada. Era o sistema que o National Planning Ressources Board, think tank dos keynesianos e intervencionistas de vários matizes, descrevia como “sistema modificador da livre empresa”.

Sobrava confiança nos liberais keynesianos quanto à capacidade governamental de administrar o pleno emprego através de sintonia fina. Os desapontamentos só viriam no após-guerra, quando as políticas keynesianas, casualmente eficazes no combate a recessão, trouxeram prolongados períodos de pressão inflacionária. Somente nos anos 70, o keynesianismo, como doutrina, seria temporariamente desbancada pelo monetarismo, que se baseia precisamente na visão oposta, segundo a qual é escassa a capacidade governamental de administrar a economia por sintonia fina, em vista das “expectativas racionais” do mercado (que se antecipam ás decisões econômicas do governo), e da insuficiente informação que este possui sobre micro-economia.

As doutrinas keynesianas tornar-se-iam uma peça substancial da agenda democrática muito além da presidência de Roosevelt. Tiveram sua consagração oficial no “Employment Act” de 1946, que atribui ao governo federal à responsabilidade de “providenciar o nível de gasto e investimentos federais necessários para atingir sustenta mente o pleno emprego”. Apareceriam depois sob variadas formas: no programa de Truman do “centro vital para expansão do pleno emprego”, no programa de Kennedy da Nova Fronteira e no de Johnson da Grande Sociedade.

*Hansen trouxe uma contribuição importante a teoria keynesiana de inflação da procura, ao desdobrar o “hiato inflacionário” (excesso de procura) em “hiato de fatores”, ligado ao mercado de fatores e, particularmente, à mão de obra, e “hiato de bens”. A deflagração da inflação, pressupõe excesso de demanda em ambos os mercados. Ver Maria Silva Bastos Marques, Inflação e política econômica após o primeiro choque do petróleo, FGV, Rio de Janeiro, 1991, pg. 14.


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