Entrevista com Patrick Moore


“A energia nuclear é boa para o planeta”

Um dos fundadores do Greenpeace explica por que “virou a casaca” no debate sobre o aquecimento global

O consultor canadense Patrick Moore, de 60 anos, gosta de ser identificado como um dos fundadores do Greenpeace – uma das organizações ambientais mais influentes do mundo. Mas os ambientalistas hoje preferem usar outros termos para se referir a Moore. “Eco-Judas” é a versão bem-humorada. “Lobista da indústria nuclear”, a mais comum. A querela começou quando o consultor deixou o Greenpeace, em 1986, e passou a defender os temas que antes combatia: da segurança da energia nuclear à dos transgênicos. Moore diz que a energia nuclear é uma das saídas para as mudanças climáticas porque os reatores não emitem gás carbônico, principal responsável pelo aquecimento da Terra. “Tento influenciar na educação das pessoas”, diz.



QUEM É
É porta-voz da Coalizão pela Energia Limpa e Segura, aliança mantida pela associação da indústria nuclear americana

FORMAÇÃO
Estudou Biologia Florestal na Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, onde também fez doutorado em Ecologia

O QUE FEZ
Na década de 1970, foi um dos fundadores do Greenpeace, que deixou em 1986. Fundou a consultoria privada Greenspirit Strategies

ÉPOCA – Quando o senhor integrava o Greenpeace, escreveu que “as usinas nucleares são a invenção mais perigosa da humanidade”. Hoje, as defende publicamente. Por que mudou de opinião?

Patrick Moore – No Greenpeace, nós achávamos que tudo o que era nuclear era ruim. Acreditávamos que a energia nuclear estava inevitavelmente ligada às armas atômicas. Mas é só reparar que os reatores que produzem energia não são usados para matar pessoas. Na verdade, reatores são usados até na medicina para produzir medicamentos que tratam milhões de pessoas. Muitas tecnologias podem ser usadas para o bem ou para o mal. Você pode voar em um avião para promover uma missão de paz ou para destruir uma cidade com uma bomba.

ÉPOCA – O senhor não se diz um alarmista a respeito do aquecimento global, mas o usa como argumento para defender a energia nuclear. Não é uma contradição?

Moore – Não acho que eu esteja me contradizendo. Não contratamos seguro contra incêndio para nossas casas mesmo sem saber se elas pegarão ou não fogo? Acho difícil prever quais serão as conse-qüências do aumento da temperatura do planeta no futuro. Mas acredito que, se quisermos reduzir nossas emissões de gás carbônico, teremos de reduzir nossa dependência dos combustíveis fósseis.

ÉPOCA – A energia nuclear é considerada cara e, em muitos países, conta com subsídios governamentais para chegar a um preço razoável aos consumidores. Ela é financeiramente viável?

Moore – Comparada com as outras fontes de energia, a nuclear é mais cara que a hidrelétrica. E também é mais cara que a eletricidade gerada em termelétricas movidas a carvão. Mas ainda é mais barata que a eletricidade produzida com gás natural. E, com certeza, muito menos cara que a energia solar.

“O Greenpeace faz uso de minha história e não o contrário. Quem trabalha hoje lá está usufruindo da organização que ajudei a construir”

ÉPOCA – O senhor tem dados para comparar os preços de cada tipo de energia?

Moore – Não dá para colocar em números exatos. No caso das hidrelétricas, depende de onde o reservatório for construído. Cada usina nuclear também é um caso único: depende de quanto tempo vai demorar a construção, de qual era o preço dos materiais no período etc. Tudo o que eu posso dizer é que, em 21 países, 15% ou mais da eletricidade é gerada em usinas nucleares. Na França, chega a 80%. A Eslováquia, por exemplo, não é um país rico, e 66% de sua eletricidade vem de usinas nucleares. A razão pela qual esses países contam com a energia nuclear é que ela tem um preço bastante razoável comparado ao de outras tecnologias.

ÉPOCA – Como resolver o problema do armazenamento do lixo nuclear se, desde que a primeira usina entrou em funcionamento, na década de 1950, na Rússia, ainda não há no mundo um abrigo definitivo para o combustível usado?

Moore – A França e o Japão já conseguem dar um destino final para seu lixo nuclear. Eles estão reciclando o combustível usado para reaproveitá-lo nos reatores. O combustível conserva 95% de seu potencial energético mesmo depois de usado uma vez.

ÉPOCA – Alguns especialistas consideram esse reprocessamento muito arriscado. Depois de usado no reator, parte do urânio se transforma em plutônio, que pode ser usado para fazer bombas. É seguro lidar com esse material?

Moore – No Japão, o plutônio é misturado novamente ao urânio dentro do equipamento que faz a reciclagem. Assim, não é possível construir bombas. Mas eu não estou tão preocupado com os terroristas se eles se apossarem desse material porque não sabem construir bombas. Agora, países como a Coréia do Norte e o Irã podem contratar cientistas para isso. Mas ainda é mais fácil para eles comprar centrífugas para enriquecer o urânio que usar o material reprocessado.

ÉPOCA – Por que não usar o dinheiro gasto nas usinas nucleares para desenvolver fontes alternativas de energia que não oferecem os perigos da nuclear?

Moore – A energia solar e a energia eólica não dão conta de abastecer toda uma rede elétrica. Além disso, de onde viria a energia quando não houvesse sol e quando parasse de ventar? Porque não faz sol e não venta o tempo todo. Sou a favor de usar primeiro o potencial hidrelétrico. Mas, uma vez que ele tenha se esgotado, defendo a energia nuclear em seguida.

ÉPOCA – O senhor tem alguma ligação com a indústria nuclear?

Moore – Eu sou um dos diretores da Clean and Safe Energy Coalition (Coalizão pela Energia Limpa e Segura), junto com Christine Todd Whitman, que já foi diretora da agência americana de proteção ambiental. Somos como porta-vozes. Queremos convencer o público americano de que a energia nuclear é decisiva para reduzirmos nossas emissões de gases do efeito estufa. A coalizão é mantida financeiramente pelo Instituto de Energia Nuclear, a associação da indústria nuclear nos Estados Unidos.

ÉPOCA – Seus críticos o chamam de lobista. O senhor é lobista?

Moore – Eu não sou lobista. Eu nem sei como fazer lobby. Eu falo com muitos políticos, mas não faço lobby para modificar leis. Essa é a função do Instituto de Energia Nuclear. Um lobista diz “nós queremos uma legislação assim para poder ter dinheiro para a indústria nuclear”, ou algo do tipo. Eu não tento influenciar a lei. Eu tento influenciar as políticas ambientais. E tento influenciar na educação das pessoas.

ÉPOCA – O que o senhor quer dizer com políticas ambientais? Isso faz parecer que é lobby.

Moore – O que quero dizer com políticas ambientais é que eu sou a favor da energia nuclear. Todo mundo sabe disso. Quando converso com os políticos, é mais para trocar informações. Eu diria que não sou lobista, eu sou um comunicador. Eu diria que o Greenpeace é que é lobista. Porque são eles que sempre estão tentando emplacar leis. Eu sou mais um ativista que faz campanhas para a sociedade em geral.

ÉPOCA – Fica claro para o público que o senhor é pago pela indústria nuclear?

Moore – Em todos os artigos que escrevo na imprensa eu sempre coloco um rodapé com minha identificação: “Patrick Moore trabalha como consultor para governos e indústrias”. Mas, muitas vezes, os editores cortam essa parte. Mas eu nunca escondo essa informação. E, mesmo que eu tentasse esconder, todo movimento ambiental está espalhando isso por aí.

ÉPOCA – O Greenpeace acusa o senhor de usar o nome da organização, mais de 20 anos após deixá-la, para conseguir marketing e credibilidade. O senhor já pensou em parar de se identificar como um dos fundadores do Greenpeace?

Moore – Eles dizem que eu estou usando comercialmente minha história no Greenpeace. Mas são eles que a estão usando. Quem trabalha hoje no Greenpeace é que está usufruindo da organização que eu ajudei a construir.

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